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Hoje acordei com nicotina nos lábios e uma garrafa entornada ao lado da cama.
Ah, inspiração, prostituta do poeta, caminhas teatralmente sobre as horas! Sim, é verdade, procurei seduzi-la, pensei comprar o poema, vender-lhe o corpo – a sobrevivência da plêiade é aquela côdea de pão bolorento que serve de festim às moscas. Eis as verdades esmagadas por uma incontida gramática de pontos vazios... e a maior de todas é que não soube encontrar o fogo dentro das veias, mesmo que o corpo, cada vez mais áspero, seja lixa a aguardar pela fricção. Não, não encontrei o fogo nas veias, mas ainda creio que todo o homem é o seu poema, mesmo que inflamável.
Uma insónia alastra pela mudez que me escuta. Às escuras, adivinho a sentença: sei que preciso do meu castigo no intervalo do desejo, no interlúdio da peça, nas rimas vazias do poema. Mas a música há muito deixou de me tocar.